RUA DO JASMIM

ESTUDO
HISTORICO

Freguesia de Nossa Senhora das Mercês (1770),aut. Eng.o José Monteiro de Carvalho.

CASA NOBRE DA RUA DO JASMIM 11

Situado ao Príncipe Real, na freguesia da Misericórdia (antiga freguesia das Mercês), o edifício de habitação da Rua do Jasmim, no 11, incluído no Inventário municipal do património de Lisboa, corresponde a uma antiga casa nobre ou apalaçada, construída originalmente pelo cavaleiro Caetano Alberto Ferreira (1763), homem de negócios professo na Ordem de Cristo (1768) e deputado da Junta do Comércio, uma organização que, por ordem do Marquês de Pombal, ajudou a financiar a reconstrução da cidade de Lisboa, na sequência do Grande Terremoto de 1 de Novembro de 1755.

O sítio ou zona, hoje designados por Príncipe Real – nome da Praça no topo da Rua do Jasmim -, era conhecido desde do fim da antiga Idade Média como o sítio da Cotovia de Cima ou Alto da Cotovia, um lugar de terras de pão e pequenas quintas, que manteve a sua feição rural praticamente até à segunda metade do século XVIII.
Assim o Alto da Cotovia, foi conhecido nesta época por diversos nomes, como o das «Obras do Conde de Tarouca», o da «Patriarcal Queimada», ou já no século seguinte pelo sítio das «Obras do Erário Novo», até que em 1855 lhe foi dado o nome de Praça do Príncipe Real em homenagem ao primogénito da rainha Dona Maria II, o príncipe e futuro rei Dom Pedro V (1837 + 1861).A Praça do Príncipe Real ou do Rio de Janeiro (designação que lhe foi atribuída oficialmente entre 1911 e 1949) tem-se mantido desde meados do século XIX como uma ilha verde no meio da cidade alta de Lisboa, acolhendo desde 1861 um jardim ao gosto romântico inglês, enriquecido com árvores exóticas pelo jardineiro municipal João Francisco da Silva (como o cedro-do-Buçaco, com uma copa de 20 metros de daî,etro) e um tanque octogonal.

Caetano Alberto Ferreira, promotor do edificação original da Casa da Rua do Jasmim, no 11, adquiriu dois chãos em 1761 e 1762 que haviam sido anteriormente aforados pela Testamentaria do Grande Almirante de Castela aDomingos de Oliveira e sua mulher e ao Capitão António da Silva Pinto e sua mulher, cada um com 30 palmos de frente para a Rua Nova da Patriarcal e o foro de 3$400 rs, procedendo-se a um novo aforamento em conjunto feito em 18 de Janeiro de 1763, data a partir da qual o proprietário terá começado a edificar as suas casas.Mas quem era Caetano Alberto Ferreira? Como se disse no início deste texto, tratava-se de um homem de negócios, deputado da Junta do Comércio (e seu procurador geral), cavaleiro professo na Ordem de Cristo (1768).

Através da sua habilitação de cavaleiro ficamos a saber que era natural de Lisboa, mas filho de pequenos proprietários dos arredores da cidade -João Ferreira e sua mulher Maria da Encarnação, moradores na sua quinta da Paiã em Carnide -; mantinha negócios na Carreira do Brasil; era acionista da companhia de Pernambuco; e residia já então na Rua Nova da Patriarcal (depois do Jasmim), freguesia de Santa Isabel, precisamente nas casas que aqui mandou edificar. Caetano teria também fortes relações pessoais (e comerciais) com a comunidade italiana de Lisboa, como se deduz do facto de sua esposa, Rita Maria Caetana (já em 1748), embora natural de Lisboa, ser filha de pai italiano, um Nicolau Maria Oderico, natural de Génova.

CASA NOBRE DA RUA DO JASMIM 11

«Antonio Jose da Silva Freire , Negociante, faz público que elle se mudou das casas em que residia no largo do Carmo, para as casas N.° 4 da rua do Jasmim, junto ao Quartel do Regimento de Peniche». Silva Freire, à semelhança do seu antecessor, era também homem de posses, além de dono da Quinta da Fonte, em Montelavar, na estrada de Mafra, ao pé de Pero Pinheiro (1806), tinha em Lisboa esta sua Casa nobre da Rua dos Jasmins, avaliada em 120$000 reis de renda anual em 1817, onde então residia com sua mulher, Dona Joana Caetana Mauriti, e um criado.

Aqui faleceu em 29 de Abril de 1825, deixando a casa a Dona Bárbara Caetana de Gouveia ou Freire de Gouveia, mulher de Procoro José de Gouveia, «Doutor em Medicina», médico no Hospital Real de São Josée no Hospital de São Luís dos Franceses, que veio a receber do governo francês o título de Oficial da Ordem da Legião de Honra (1881).O Dr. Procoro, residindo em 1852 na Rua Nova dos Mártires, no 22, vendeu esta casa ao cirurgião José Joaquim Teixeira deMagalhães por 1:200$ reis, conforme escritura de 7 de Julho de 1852, tendo este feito o reconhecimento do domínio directo à Escola Politécnica (sucessora do Colégio dos Nobres), vindo depois a adquirir-lhe o foro por Carta de remissão em 8 de Janeiro 1853.

Nesta época foram edificados ou reedificados na Rua do Jasmim e suas proximidades algumas propriedades de bom valor arquitectónico, como o prédio de José Maria Belo (1854), na rua da Procissão, fazendo cunhal e frente para a rua da Palmeira e para a rua do Jasmim, projecto do arquitecto Malaquias Ferreira Leal e do Engenheiro Pedro José Pezerat; ou o prédio de António Nunes (1860-1861), no lado sul da praça do Príncipe Real, fazendo frente para a rua do Jasmim e travessa do Jasmim, também projecto do Engenheiro Pedro José Pezerat, descrito por Francisco Manuel Homem Christo como lugar habitual de reunião de «homens políticos dos mais notáveis e com tal influencia que os artistas lhes cederam os logares da mesa, que ficou composta dos srs. Levy Maria Jordão, presidente, José Maria Lobo de Ávila e José Maria da Cunha Seixas, secretários, e Antonio César de Vasconcellos e José Gomes da Silva, vice-secretários» (Monarchicos e republicanos: apontamentos para a história contemporânea, 1928).

Ou ainda os prédios de António Augusto Xavier (1864), na rua do Jasmim n.o 26 a 30, e o de Vicente Rodrigues (1862), igualmente no lado sul da praça do Príncipe Real, fazendo frente para a rua do Jasmim e travessa do Jasmim, este último considerado por Alberto Sousa «uma das mais belas (casas) erguidas em Lisboa e arredores no terceiro quartel do século XIX» (A variante portuguesa do classicismo imperial brasileiro, 2007, p. 172).

Natural de Alijó, na província de Trás-os-Montes, Manuel Inocêncio Borges foi um daqueles muitos portugueses que no século XIX demandou terras do Império do Brasil à procura de sucesso e fortuna, fortuna a qual acabou por eventualmente ganhar, fruto da sua actividade como comerciante da Praça do Rio de Janeiro (pelo menos desde 1847), quer vendendo louça inglesa e de barro (1852), quer cereais (1856).

Veio a regressar a Portugal em 1860 no vapor paquete inglês «Oneida», que partiu do Rio de Janeiro em 8 de Maio de 1860 e que, após escala nos portos do «Norte do Império», veio a entrar no Tejo três semanas depois, em 31 de Maio de 1860
José Carlos Trilho, que também assinava como Carlos Trilho, vivera até então na casa de seu pai, José Trilho, viúvo, proprietário, morador na Rua Eduardo Coelho, no 47, e depois adquirir a Casa da Rua do Jasmim, no 19, que algum tempo depois passa a ter os nos 11 e 11-A, empreende no ano seguinte, em 1915 a um conjunto assinalável de obras de reconstrução e decoração do edifício, que modificam em particular a fachada, onde se introduz um varandim na cobertura e uma decoração em azulejo de gosto eclético, muito em voga na época.

O projecto apresentado por Trilho (vide imagem inicial) inclui ainda a construção de um mirante (vide acima).

Direcção da Escola «31 de Janeiro». Em pé: Gregório Fernandes; e Carlos Trilho. Sentados: França Borges; Dr. Daniel Rodrigues, Governador Civil de Lisboa; Luís Derouet. (O Occidente, 10-2-1913)
O promotor desta obra, José Carlos Trilho ou Carlos Trilho, era já uma figura reconhecida na sociedade lisboeta de então, como se depreende a sua nota biográfica na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira: «TRILHO (Carlos). Jornalista, n. em Lisboa em 1875 onde também m. em 22-VI-1940. Tomou parte activa na revolução que em 5-X-1910 implantou a República em Portugal e foi administrador e director do jornal O Mundo. Exercia à data da sua morte os cargos de cônsul-geral da Nicarágua e director-gerente da Companhia da Zambézia» (Vol. XXXII, p. 852).

Como noutros edifícios do mesmo período, à raíz setecentista seguiram-se ampliações nos séculos seguintes. Uma análise atenta da fachada permite identificar claramente dois momen- tos históricos distintos: a construção original do século XVIII com dois pisos (rés-do-chão e primeiro andar) e o aumento de um piso e cobertura (com sótão habitável) no final do século XIX.Assim, no primeiro andar, a fachada apresenta as caraterísticas distintivas de um piso nobre, com janelas de sacada e gradeamento de ferrofundido de gosto tardo-barroco, embora cronologicamente correspondente já ao início do período neoclássico. Esta é talvez a car- aterística mais evidente da construção original de raíz setecentista, no período após o terramo- to (Caetano Alberto Ferreira, 1770-80). A observação da empena Sul apresenta uma irreg- ularidade ao nível do pavimento do segundo piso, correspondendo precisamente ao limite da altura do edifício setecentista. Na parte superior,verificam-se dois aspectos par- ticulares: a azulejaria e o coroamento.

No primeiro caso, o revestimento azulejar, com um motivo de influência tropical–o ananás –aparenta ser uma intervenção do final de oitocentos, aopasso que o revestimento azu- lejar da parte superior, bem como a platibanda e o mirantesugeremuma obra posterior. Fará sentido pensar que, no primeiro caso, se trata de uma intervenção do final do século XIX, algures entre 1872-1914, durante o período em que a propriedade pertenceu a Inocêncio Borges. Foi já referido que não há registo de alterações no edificio neste período, mas a hipótese de se tratar de uma “casa de brasileiro”, é reforçada pelo facto de a azulejaria sercronologi- camente coincidente e de Inocêncio Borges ter sido emigante no Brasil, justificando-se o tema do ananás como influência.Nota curiosa para o facto de os azulejos com omotivo do ananás se encontraremcolocadosao contrário, isto é, orientadospara cima, quandona verdade o Ananas comusus, conhecido no Brasil por abacaxi, é um fruto tropical que desenvolve uma coroa na parte superior e não inferior om se encontram colocados. Este motico azulejar é rela- tivamente comum eexistem em váriosoutros edifícios da cidade de Lisboa, destacando-se a título de exemplo o número 82da Calçada da Ajuda.

No segundo caso, não parecem restar dúvidas de que a cobertura e actual mirante são result- antes do projecto de alterações proposto pelo proprietário seguinte, José Carlos Trilho, em 1915. O desenho da fachada proposta apresenta claramente um coroamento superior em azule- jaria, bem como uma platibanda com balaustres cerâmicos. Na verdade, a azulejaria actual, em tom amarelo com decoração azul e branca envolvendo os vãos, aparenta ser da década posteri- or, podendo ser resultante de uma execução tardia do projecto, possivelmente coincidente com a proposta de alteração do vão inferior em 1923.